Sou
Toque de sonho erótico
O raro, o diferente
Sou aquilo que não é gente
Mas a gente; curiosa; anseia ter...
Sou um animal exótico, visto pela primeira vez e desejado.
Não pela cor da minha pelagem, ou por alguma característica em concreto, mas
concretamente por nenhuma das minhas características se assemelhar a algo que pareça
familiar.
Sou a noite no Inverno de Norilsk quando procuras um par de horas longe do sol.
Convidativo por parecer ser exatamente o que procuras, disponível dia após dia.
Mas depois decides que queres que eu acenda e ilumine e aqueça...mas essa escuridão
que te chamou dura três meses.
Procuravas o silêncio, e eu sei ser calado quando me pedem. Então quiseste reclamar
esse silêncio para ti porque nunca imaginaste que algo assim pudesse realmente existir.
Mas eu ou a câmara anecoica de Orfield...o meu silêncio é tal que não suportas aquilo que
mais pediste, porque te enlouquece ouvir o teu coração, sentir que ouves o sangue
percorrer as tuas veias. E a tua mente tenta a gritos preencher esse vazio que é a
absência de qualquer som...
Tenho o som de água fresca, então quiseste tomar-me para ti para que pudesses beber sempre que quisesses.
Para que, em luxúria, te banhasses em mim e usasses-me para regar as tuas flores.
Mas eu sou o Lago Baikal. Mergulhaste em mim mas ficaste assoberbada pela minha
imensidão, pela profundidade da minha existência, por quão antigo eu sou.
A talassofobia tomou conta de ti, e a vertigem fez-te perder o equilíbrio. Correste para longe sem te despedires, deixando-me a afogar em mim mesmo com o sentimento de culpa.
Sou o animal raro e majestoso que viste e quiseste domar pela sua ferocidade. Então o
medo da minha imponência tomou conta de ti, mas a ganância de me possuir era maior, e
eu gostava de teu toque, deixando-me domesticar sob a tua voz e perfume.
Depois abandonaste-me, porque já não era a fera que te maravilhou. Mas antes
cortaste-me as garras e mandaste encurtar meus dentes, para te sentires segura.
E agora não consigo caçar, não me reconheço no reflexo do charco raso que são teus olhos
que tanto me quiseram e agora me desdenham.
Sou tanto, que quase chego a ser tudo. Mas o que é tudo, quando deixam esfarrapado
aos ventos tudo aquilo pelo que rezaram aos seus deuses para ter, e quando o tiverem,
não souberam ter.
Na verdade, já não sou tudo...já não sou tanto. E tudo o que sou é um nada, despido e despojado de tudo o que arrancaram de mim.
De mim só sobram poemas, pensamentos e promessas que nunca planearam cumprir.
Sobram os meus sentimentos espalhados ao mesmo vento que eles espalharam as cinzas
daquilo que deixei de ser.
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