terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Sou...

Sou





 Sou animal exótico...
Toque de sonho erótico
O raro, o diferente
Sou aquilo que não é gente
Mas a gente; curiosa; anseia ter...


    Sou um animal exótico, visto pela primeira vez e desejado.

 Não pela cor da minha pelagem, ou por alguma característica em concreto, mas 

concretamente por  nenhuma  das minhas características se assemelhar a algo que pareça 

familiar.

    Sou a noite no Inverno de Norilsk quando procuras um par de horas longe do sol. 

Convidativo por parecer ser exatamente o que procuras, disponível dia após dia.

 Mas depois decides que queres que eu acenda e ilumine e aqueça...mas essa escuridão 

que te chamou dura três meses.

    Procuravas o silêncio, e  eu sei ser calado quando me pedem. Então quiseste reclamar 

esse silêncio para ti porque nunca imaginaste que algo assim pudesse realmente existir.

Mas eu ou a câmara anecoica de Orfield...o meu silêncio é tal que não suportas aquilo que 

mais pediste, porque te enlouquece ouvir o teu coração, sentir que ouves o sangue 

 percorrer as tuas veias. E a tua mente  tenta a gritos preencher esse vazio que é a 

absência de qualquer som...

    Tenho o som de água fresca, então quiseste tomar-me para ti para que pudesses beber sempre que quisesses. 

Para que, em luxúria, te banhasses em mim e usasses-me para regar as tuas flores.

Mas eu sou o Lago Baikal. Mergulhaste em mim mas ficaste assoberbada pela minha 

imensidão, pela profundidade da minha existência, por quão antigo eu sou.

A talassofobia tomou conta de ti, e a vertigem fez-te perder o equilíbrio. Correste para longe sem te despedires, deixando-me a afogar em mim mesmo com o sentimento de culpa. 

    Sou o animal raro e majestoso que viste e quiseste domar pela sua ferocidade. Então o

 medo da minha  imponência tomou conta de ti, mas a ganância de me possuir era maior, e 

eu gostava de teu toque, deixando-me domesticar sob a tua voz e perfume. 

Depois abandonaste-me, porque já não era a fera que te maravilhou. Mas antes 

cortaste-me as garras e mandaste encurtar meus dentes, para te sentires segura.

E agora não consigo caçar, não me reconheço no reflexo do charco raso que são teus olhos 

que tanto me quiseram e agora me desdenham.

    Sou tanto, que quase chego a ser tudo. Mas o que é tudo, quando deixam esfarrapado 

aos ventos  tudo aquilo pelo que rezaram aos seus deuses para ter, e quando o tiverem, 

não souberam ter. 

    Na verdade, já não sou tudo...já não sou tanto. E tudo o que sou é um nada, despido e despojado de tudo o que arrancaram de mim.

    De mim só sobram poemas, pensamentos e promessas que nunca planearam cumprir. 

Sobram os meus sentimentos espalhados ao mesmo vento que eles espalharam as cinzas 

daquilo que deixei de ser.


 


 

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